PERGUNTA
Duna que o vento ergueu, monte de vento.
Onde tudo que nasce é movediço:
Versos aqui?, ou sigo o movimento,
E sou mais uma areia ao teu serviço?
Duna(e) em que sou arado
Á procura da terra da firmeza:
Versos aqui?, ou vou melhor calado,
Cheio de desespero e de certeza?
Miguel Torga
o sonho
Pelo sonho é que vamos,
comovidos e mudos.
Chegamos? Não chegamos?
Haja ou não haja frutos,
pelo Sonho é que vamos.
Basta a fé no que temos.
Basta a esperança naquilo
que talvez não teremos.
Basta que a alma demos
com a mesma alegria,
ao que desconhecemos
E ao que é do dia a dia
Chegamos? Não chegamos?
- Partimos. Vamos. Somos.
Sebastião da Gama
pedra filosofal
Eles não sabem que o sonho
é uma constante da vida
tão concreta e definida
como outra coisa qualquer,
[...]
caravela quinhentista
que é Cabo da Boa Esperança,
ouro, canela, marfim,
florete de espadachim,
bastidor, passo de dança,
Colombina e Arlequim,
Passarola voadora,
Pára-raios, locomotiva,
Barco de proa festiva,
Alto-forno, geradora,
Cisão do átomo, radar,
ultra-som, televisão,
desembarque em foguetão
na superfície lunar.
[...]
António Gedeão
poema do alquimista
Ao lume dos teus olhos
Pus-me a aquecer esta mistela de neve e sol nascente
Como o alquimista de Dusseldorf
Que punha ao lume a retorta de grés de longo colo
E nela aquecia sangue de drago (2 onças),
Tártaro emético (5 dracmas),
Enxúrdia de víbora (12 a 15 gotas),
Manteiga de antimónio,
Corno de cervo,
Espírito ardente de Saturno (meia onça de cada),
E ficava esquecido na solidão da sua toca,
O gorro de pêlo enterrado até às orelhas,
Aceso o rostopelo forno de revérbero.
Cá fora os homenzinhos de Bruegel,
Com os nédios trazeiros voltados para o espectador,
As bragas vermelhas a estalarem nas costuras,
Ceifavam o trigo na pradaria verde.
O alquimista de Dusseldorf
Buscava o segredo da pedra escondida nas entranhas da terra,
O alcaest, o dissolvente universal,
[...]
Eu não sou o alquimista de Dusseldorf.
Eu não quero tudo.
Eu quero apenas,
Apenas transmutar esta chatice em flores
António Gedeão
o quinto império
Triste de quem vive em casa,
Contente com o seu lar,
Sem que um sonho, no erguer de asa,
Faça até mais rubra a brasa
Da lareira a abandonar!
Triste de quem é feliz!
Vive porque a vida dura.
Nada na alma lhe diz
Mais que a lição da raiz –
Ter por vida a sepultura.
Eras sobre eras se somem
No tempo que em eras vem.
Ser descontente é ser homem.
Que as forças cegas se domem
Pela visão que a alma tem!
E assim, passados os quatro
Tempos do ser que sonhou,
A terra será teatro
Do dia claro, que no atro
Da erma noite começou.
Grécia, Roma, Cristandade,
Europa – os quatro se vão
Para onde vai toda idade.
Quem vem viver a verdade
Que morreu D. Sebastião?
Fernando Pessoa
o infante
Deus quer, o homem sonha, a obra nasce.
Deus quis que a terra fosse toda uma,
Que o mar unisse, já não separasse.
Sagrou-te, e foste desvendando a espuma,
E a orla branca foi de ilha em continente,
Clareou, correndo, até ao fim do mundo,
E viu-se a terra inteira, de repente,
Surgir, redonda, do azul profundo.
Quem te sagrou criou-te português.
Do mar e nós em ti nos deu sinal.
Cumpiu-se o Mar, e o império se desfez.
Senhor, falta cumprir-se Portugal!
Fernando Pessoa
Thursday, January 26, 2006
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